ARTIGO – Descortinada: um crime contra a dignidade sexual

Por: Marcelo Mendes Arigony- Advogado – Professor e Delegado aposentado

Em Santa Maria, um homem foi contido após filmar uma mulher dentro de um provador. O episódio reacendeu uma discussão importante: ainda há quem não compreenda que a privacidade é um direito penalmente protegido e que, quando violada, a curiosidade se transforma em crime.


A conduta se enquadra no crime de registro não autorizado da intimidade sexual, incluído entre os delitos contra a dignidade sexual. A lei pune quem produz, fotografa, filma ou grava cena de nudez ou ato íntimo sem autorização, mesmo que o material não seja divulgado. O bem jurídico protegido é a dignidade da pessoa humana, em especial o direito de cada um decidir o que pode ou não ser visto. A pena prevista é de detenção de seis meses a um ano e multa, podendo ser agravada se houver divulgação ou exposição vexatória.


Por ter pena máxima inferior a dois anos, trata-se de infração de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal. Nesses casos, a autoridade policial deve lavrar Termo Circunstanciado e colher o compromisso de comparecimento do autor à audiência, dispensando o Auto de Prisão em Flagrante e também a fiança, desde que o investigado assuma o compromisso e não haja circunstâncias excepcionais. O flagrante só se converte em custódia quando o autor se recusa a se identificar, tenta fugir ou oferece risco concreto à ordem pública.


Depois de instaurado o procedimento, o caso segue ao Juizado, onde podem ocorrer audiência preliminar, proposta de transação penal ou suspensão condicional do processo, conforme o perfil do acusado. Paralelamente, a vítima pode buscar reparação civil pelos danos morais sofridos, pois a violação da intimidade afeta a autoestima, a honra e a sensação de segurança pessoal.


Esses episódios revelam que o avanço da tecnologia exige maturidade ética e vigilância jurídica. A câmera que hoje registra pode também ferir. O Direito Penal tem função pedagógica: lembrar que a intimidade é fronteira sagrada, e que o respeito começa onde o outro confia estar em segurança. Em tempos de exposição constante, preservar o que é íntimo talvez seja o gesto mais civilizado que ainda podemos oferecer uns aos outros.

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